Aparecida, poeta e ambientalista • Monjolos, MG

Senhora de vestido sentada em banco frente de casa

O dia 12 de setembro de 2002 foi marcado pelo centenário de nascimento de Juscelino Kubitschek. A data foi comemorada com uma caminhada à cavalo, saindo de Brasília e chegando a Diamantina, cidade natal de Juscelino. Durante o percurso, cavaleiros e autoridades fizeram uma parada em Monjolos, cerca de 600 km de Brasília e 72 km de Diamantina. Preocupadas em receber e cumprimentar os viajantes, a secretária de educação da cidade e a diretora da escola municipal procuraram a varredora de rua da cidade, Dona Orlanda, pois sabiam do seu dom de brincar com as palavras. “Aí eu comecei a escrever esse negócio. A diretora falou pra mim assim ‘cê deixa outra pessoa ler no seu lugar?’ aí a secretaria falou ‘de jeito nenhum, ela que tá fazendo, ela que tem que ler’. Aí ela falou, ‘então cê vai ter que decorar, cê não vai ler não’. Outro podia ler, né? Isso tinha um mês mais ou menos, 20 dias. E eu tava no banheiro, tava lavando roupa, tava lavando vasilha, eu tava falando. E o povo falando ‘ah, tá ficando doida, tá endoidando, tá falando sozinha’. Aí menina, no dia lá, eu arrebentei a boca do balão!”. A poesia Homenagem a JK é sua preferida.
Dona Orlanda tem, desde pequena, o dom de rimar, mas foi ajudando a neta a escrever uma poesia para um trabalho de escola – que o povo admirou – que ela começou a escrever. De estudo, tem só até o segundo ano de grupo, mas lendo muito e acompanhando as mudanças das palavras, Dona Orlanda consegue escrever uma poesia em cinco ou seis minutos, depende da inspiração. “Muitas falam sobre meio ambiente, a maioria delas. Sou ambientalista nata”.
Mesmo em Monjolos, cidade com menos de 3.000 habitantes, segundo o Censo 2010, e onde Dona Orlanda, de 62 anos, reside desde os anos 1970, ela consegue identificar mudanças no meio ambiente causadas pela falta de cuidado dos moradores. “O mais problema que eu acho é que o povo suja o rio, que é uma água de graça pra todo mundo pegar, e depois você tem que pagar por ela. E o lençol vai só baixando e as nascente secando. Isso tudo é a evolução do homem né?”. Se chamam de evolução, Dona Orlanda preferia não ter evoluído. “Nossa cidade é pequenininha, e você viu o tanto de carro que você vê. Essas fumaça vão para um único lugar, que é a camada de ozônio. Hoje ninguém mais anda de cavalo, ninguém mais anda de bicicleta. A fumaça vai pra camada de ozônio e o chorume pro lençol freático. E depois nós bebe ele né? E depois nós fica doente. Até o leite da vaca é doente, a carne é doente. Tudo que nós come hoje é doente. Antigamente a gente tinha uma vida simples mas todo mundo era feliz. A gente comia o que produzia, não existia agrotóxico, nada”.
Aprendizados e críticas que Dona Orlanda aprendeu no cotidiano, na vivência. Comparando a vida de hoje com a vida que tinha quando era moça, ela percebe muitas mudanças: o que antes eram embrulhos de pano e de papel, hoje são plásticos que viram lixo e se espalham por toda cidade. Remédio de farmácia não existia, era só chá e purgante. Não havia papinha para criança e muito menos brinquedo igual aos que aparecem na televisão. Com a poesia, Dona Orlanda expressa a angústia de ver as coisas mudarem sem conseguir impedir o surgimento de tantos problemas. “Ninguém dá conta de solucionar mais não. Se dois quiser, mais de dois não quer. O que podemos fazer? Rezar, só rezar. O que é bom hoje, é problema pro futuro. Os que vão vir vão sofrer demais”.
E se há tristeza em sua observação sobre o mundo, há muita alegria no viver. “Eu sou feliz demais. De primeira o povo falava assim ‘chegou a aparecida’, quer dizer eles que eu gosto de aparecer”. Isso porque Orlanda Aparecida de Souza Braga, aos 62 anos, vive cantando, brincando com as pessoas e com as palavras. “Orlanda poetisa, Orlanda doida. Eu sou doida mesmo. Eu ando é cantando, assobiando. É no meio da rua, é em qualquer lugar”. E ela ainda se diverte fazendo paródia das músicas que conhece.
Além do caderno com anotações de todos seus poemas, Dona Orlanda também deixa seu recado. Ao ser chamada de mulher sabida, retruca com a frase que sintetiza sua inquietude: “O campo da sabedoria é tão vasto que aquele que chama sábio ainda sabe pouco”. E cantando, se despede de nós.

texto: Carolina Resende / foto: Inácio Neves

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